Texto escrito por Carlos Zanetti, cliente da Adventure Club
A África por si só sempre me fascinou. Pela ancestralidade, pela beleza, pelas particularidades.
Pensar em Angola como um destino a se conhecer surgiu em um momento em que o inesperado, o de certa forma intocado, brilhava aos meus olhos. As dificuldades que separam um turista de um viajante brotavam, e a logística, outra e totalmente diferente dos outros nove países do continente africano que já conheci, me fazia a cada momento criar inúmeras boas expectativas.
Acampar na África para mim era algo inédito. As pesquisas quanto às amplitudes térmicas, a umidade do ar, mapas pluviométricos: tudo isso pensado para montar uma mala que me trouxesse conforto e praticidade. Saco de dormir, lanterna, cantil de água, toalha de alta absorção e compacta, powerbank, talheres e copos reutilizáveis. Enfim… a preparação foi intensa, deliciosa até que a mala estivesse ali pronta para me acompanhar.
Hora do embarque.
Diário de Bordo: algumas das experiências mais marcantes que vivi em Angola
Luanda surpreende com a explosão de arranhas-céus entremeadas com casas colônias que insistem em não ruir como também prédios imponentes que resistem da colonização portuguesa. Andar pela ilha de Luanda com seus restaurantes familiares e sua introspectiva vida cotidiana traz a todo momento lembranças de nosso Brasil. Sorrisos frequentes, acolhimento e alegria nos fazem sentirmos em casa.
Surpresas vêm e vão: um palácio de ferro projetado por Gustave Eiffel (aquele mesmo da torre), um forte imponente (igual aos inúmeros que temos no Brasil) construído pelos portugueses, ruas vivas e cheias de casinhas coloridas, museus pequenos com uma mistura de colonialismo, guerra civil e a atual liberdade intermediária. Extremos que convivem em plena harmonia.
Seguimos rumo a Lubango, uma cidade não tão pequena, incrustada em uma vala cercada por uma Serra. Serra de Lepa. Lubango foi nosso ponto de apoio para seguirmos em direção ao sul, onde fomos ao encontro das diversas etnias que por anos foram esquecidas pelo mundo. Vivem sua rotina assim como dezenas de anos antes. Parece que a modernidade tarda em chegar por lá.
Lubango fica para trás e seguimos rumo a Chibia, região onde vive a etnia Muhila. Pelo caminho um mercado local, autóctone, brilha e aparece sob nossos olhos: Mucuma. Como um típico mercado africano, chegamos na hora que fervilham todos os tipos de transações: compra, venda, escambo… Um primeiro contato com essas mulheres tão especiais e tão características acontece. As mulheres Muhila são dignas de uma beleza sem igual.
Seguindo para nosso acampamento em plena aldeia dessas mesmas mulheres, a surpresa continua. Elas nos esperam: pescoços repletos de ornamentos que unem o tronco à cabeça como se não houvesse distinção. Uma mistura de miçangas, pequenos detalhes, penduricalhos… ou seja, tudo aquilo se une de uma forma equilibrada e formidável.
Ali ficamos, ali pernoitamos, ali acordamos.
Vivenciando a rotina e o dia a dia como ela exatamente é.
Acordamos e logo o acampamento já se encontrava desmontado e pronto para seguirmos rumo a Humpata. Descendo ao sul rumo ao deserto de Namibe, cruzaríamos as 19 curvas em zigue zague da serra de Leba, quase 20 quilômetros em uma paisagem de tirar o fôlego. Quando o sol brilha e ele é o protagonista, tudo se ofusca: o deserto surge pálido, feroz, complexo… Horas adentro até que inexplicavelmente um minúsculo oásis brota em meio a tanta vastidão.
O vilarejo de Virei se parece com uma cidade fantasma. Os poucos habitantes dentro de suas casas, se escondendo do sol, pouco aparecem. Um cemitério único cheio de cabeças e chifres de bois que demonstravam a importância de cada um dos pecuaristas que ali descansavam.
As rochas vão surgindo, e elas sagradas para os Mucuis e Mucubais, que ali estão há milhares de anos. Pinturas rupestres nos contam que a dureza, a complexidade do deserto é algo rotineiro para quem ali vive. Os Mucui e os Mucubais, nômades, vivem basicamente daquilo que produzem e criam; carneiros e gado pastoreiam ao redor das pequenas casas cônicas feitas de barro e gravetos secos.
Acampamento novamente recolhido, seguimos ainda mais ao sul: território dos Nguendelengo, etnia pequena que vive nas montanhas rochosas. As mulheres tão singulares se esmeram em penteados que refletem toda a personalidade do que representam. Impecavelmente belas, transitam entre os afazeres domésticos sem perderem a beleza única.
Ao cair da noite, escondemos do frio próximo a uma fogueira, quando um grupo de jovens se aproxima com sua dança, cadenciada por palmas rítmicas e muita alegria. Em pouco tempo éramos todos Nguendelengos. O sol nasce e seguimos rumo a Canhimei, buscando o território Mudimba, estes por sua vez nômades, vagam em busca de melhores condições para seu povo e seu rebanho. Pequenos mercados surgem em nosso caminho e são um convite sempre a participarmos do quotidiano singular dos pequenos povos que lutam o todo tempo com as adversidades.
A última parte de nossa jornada se aproxima. A ansiedade surge ao entrarmos no território Muhimba e Muhacaona com a singularidade de duas etnias únicas, repletas de particularidades e beleza. Os belos penteados das mulheres Muhimbas feitos com terra, gordura animal e resina de uma determinada árvore são uma explosão aos olhos. Os topetes milimetricamente desenhados das Muhacaonas são inexplicáveis.
Encontros que nos ensinam, nos inspiram e nos transformam
Ali montamos nosso último acampamento. O que era um rio em tempos de chuva nos presenteou com um terreno limpo e plano para nossas barracas e nossa pequena cozinha. Aliás… Luiza! Nossa cozinheira. Típica angolana, que fala cantarolando, repleta de receitas cheias de sabor e amor. O sol se esconde, e novas amizades surgem. Garotos curiosos e tímidos nos colocam em uma partida de futebol ali mesmo com sua bola feita de trapos e pneus usados.
Um menino me marcou para sempre: Paulino, 11 anos, tímido, poucas palavras. Mas incrivelmente inteligente. Ele era um dos poucos de seu Kimbo (vilarejo) que falava português e frequentava escola.
Paulino que pastoreava as ovelhas de sua família todos os dias quando o sol raiava, ficava ali próximo de nosso acampamento nos observando. Foi quando ele me viu com uma camisa da seleção brasileira de futebol.
Ele não conseguiu esconder sua euforia e logo se aproximou. Ele era fã de Neymar. Fã de futebol. E ali ficamos horas conversando sobre campeonatos, futebol, jogadores. Só que tinha algo que Paulino queria me falar. Ele não tinha uma bola de futebol. A bola que ele e os amigos usavam era feita de trapos velhos costurados.
Pedi a Wilson, nosso guia maior, que me levasse ao vilarejo naquele dia. E após vasculhar todos os pequenos e simples comércios locais enfim encontrei uma bola de futebol de couro.
No outro dia pela manhã (mais uma vez bem cedo) lá estava Paulino nos olhando, falando suas poucas palavras. O chamei e disse que tinha um presente pra ele.
E assim Paulino ficará guardado pra sempre em mim. Esse sorriso único. Simples. Mostrou tanto a mim. Acho que ele também nunca se esquecerá de mim. Foi sem dúvida um encontro de almas.
E assim Angola me presenteou com toda sua beleza, grandiosidade e riqueza. Creio que ali muito meu estava. Assim sempre digo: que sigo buscando pelo mundo pedaços meus perdidos por aí… Assim vou me reconstruindo e me tornando um todo novamente. Sendo sempre você o seu melhor destino, viajando primeiramente dentro de si.
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Confira também o relato do Carlos sobre sua viagem ao Benin: Viajando por Benin, um país africano cheio de histórias para contar
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Lindo texto e uma viagem maravilhosa!!! Parabéns pela escolha e pelo olhar delicado! Grande abraço
Rodrigo, ficamos felizes que também tenha gostado de acompanhar a viagem do Carlos. Realmente, foi uma linda experiência!
Lindo texto e experiência única do Carlos. Sou fascinada por viagens. Queria conhecer esse mundão inteiro e, pensando por esse lado, me considero uma pessoa realizada. Obviamente quero continuar realizando esse sonho SEMPRE.
Lendo sobre essas experiências, fico ainda com mais vontade de sair por aí carimbando passaporte. Especialmente em lugares distintos da nossa cultura. Quanto mais diferente, mais eu quero conhecer.
Concordo com o Carlos, você acaba se reencontrando em cada lugar e quando viajo sozinha percebo essa conexão com mais intensidade.
Como diz o meme : “ouvir eu te amo é ótimo. Mas ouvir tripulação, preparar para a decolagem…” Que delícia… rsrs
Cátia, que delícia ler esse comentário!
Que possamos sempre nos “perder” e nos reencontrar em cada lugar que visitamos 🙂
Conte conosco para continuar desbravando o mundo e conhecendo mais culturas, pessoas, tradições e paisagens. É sempre um prazer te atender!
Que texto lindo, delicado, transparente e gigantesco!
E as imagens, então?! Parecem de cenas registradas de filme!
Conseguiu transportar minha mente e meus sentidos a cada lugar visitado e a cada pessoa linda que conheceu!
Essa experiência só pode ser vivenciada e tão lindamente “vista” aos especiais de coração, como esse meu querido amigo Carlos!
E pode ter certeza que Paulino nunca esquecerá o amigo brasileiro que lhe deu muito mais que uma bola: lhe deu atenção, carinho e ouvidos!
Obrigada por dividir tanta beleza com todos! 🤍
Demais, né, Cristiane?
Somos suspeitos para falar, mas também ficamos encantados com o relato, as fotos e as experiências do Carlos, que, como você bem descreveu, é especial de coração.
Agradecemos por seu comentário 🙂